O juiz conselheiro do Tribunal Supremo Pedro Nazaré Pascoal, relator do processo n.º 6269/24, surpreendeu o meio jurídico ao determinar, no dia 3 de Outubro, o bloqueio imediato das contas bancárias do antigo director-geral do Instituto Nacional de Estradas de Angola (INEA), Joaquim Sebastião, alegando que a decisão anterior que o isentava de responsabilidade “ainda não transitou em julgado”.
A decisão contrasta com o acórdão de 28 de Agosto da 1.ª Secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, subscrito pelo mesmo magistrado, que havia decidido não pronunciar o arguido, reconhecendo irregularidades insanáveis na acusação e declarando a extinção do procedimento criminal por prescrição, com consequente desbloqueamento das contas bancárias e restituição do património.
Segundo o novo despacho, o juiz fundamenta a reversão com base numa reclamação com efeitos suspensivos apresentada pelo Ministério Público (MP) junto da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, que contestou não ter sido notificado oficialmente do acórdão de Agosto.
Na sua reclamação, o MP alegou ter tomado conhecimento “por via informal” da decisão e considerou que a falta de notificação configurava “violação flagrante do princípio do contraditório”, um dos pilares do processo penal justo.
Sustentou ainda que, “como titular da acção penal, tem o direito constitucional e processual de ser ouvido e de ter ciência oficial de todas as decisões judiciais”.
O juiz Nazaré Pascoal, embora tenha reconhecido que o Código do Processo Penal não impõe essa diligência formal por parte do Supremo, deferiu a reclamação e ordenou a imediata notificação de todas as partes, incluindo o MP e o arguido.
No mesmo dia, enviou ofícios a várias instituições bancárias, instruindo o recongelamento das contas de Joaquim Sebastião.
Fontes judiciais indicam que a reviravolta poderá estar relacionada com uma reunião realizada a 2 de Outubro, que juntou o presidente interino do Tribunal Supremo, o presidente do Tribunal da Relação de Luanda e um representante do Ministério Público junto daquela instância.
Segundo as mesmas fontes, o encontro envolveu dois dos três juízes que assinaram o acórdão de 28 de Agosto e teria como objectivo reavaliar a decisão que extinguiu a acção penal contra o ex-director do INEA.
Foi nessa reunião, alegadamente, que se delineou a reacção tardia – e juridicamente controversa – do Ministério Público, apresentada mais de um mês após a decisão original.
Entre 28 de Agosto e 3 de Outubro, o processo conheceu duas decisões opostas sobre o mesmo ponto essencial – o bloqueio das contas bancárias do arguido – sem que o Tribunal Supremo tenha, até ao momento, prestado esclarecimentos públicos sobre as razões da mudança.
Também permanece por explicar o silêncio do Ministério Público durante esse período, apenas rompido após a referida reunião.
O episódio reacende o debate sobre a segurança jurídica e a independência do poder judicial em Angola. Para observadores do meio jurídico, o súbito recuo do juiz relator fragiliza a imagem de estabilidade das decisões judiciais e expõe o sistema a suspeitas de interferências externas.
“A extraordinária reviravolta do caso não é apenas um sintoma de insegurança jurídica; é também a demonstração de como, no sistema judicial angolano, até juízes acabam por ser forçados a recuar”, observou um jurista ouvido pelo Imparcial Press sob anonimato.
A metáfora que circula nos corredores do Tribunal resume o episódio com ironia: o juiz Pedro Nazaré Pascoal engoliu o seu sapo.
Com/Graça Campos